1. O que é o Blues puerperal?
O blues ou tristeza do pós-parto vem sendo estudado há muito tempo e apesar de ainda se saber muito pouco sobre o seu complexo funcionamento, muitos avanços foram realizados no sentido de identificar as possíveis causas e os fatores de risco para seu surgimento.
A associação americana de psicologia usa o termo baby blues para definir os sintomas depressivos transitórios experimentados por muitas mulheres durante os primeiros 10 dias após o parto. Essa exacerbação de um estado fisiológico tem início geralmente no quarto ou quinto dia do pós-parto com um pico após uma semana do início dos sintomas e vários estudos relatam duração dos sintomas em torno de 2 a 3 semanas.
2. Introdução ao tema
Em 1952 Moloney descreveu em um artigo um quadro que ele frequentemente observava em mulheres no terceiro dia do pós-parto. Sintomas como fadiga, dificuldade de pensamento claro, choro fácil, tristeza e que ele chamou de tristeza do terceiro dia. A partir daí outros autores se debruçaram sobre o assunto para tentar entender esse período pelo qual passa a mulher. Ainda hoje existem divergências, mas a maioria dos autores falam em um quadro com sintomas parecidos com os da depressão pós-parto, mas com duração temporária. Após 2 semanas a maioria das mulheres já estão recuperadas. Mas para falar de blues puerperal precisamos entender que a mulher passa por várias transformações na gestação e no puerpério. As mudanças são biológicas (mudanças no corpo, reorganização hormonal), comportamentais (de filha passa a ser mãe, de cuidada a cuidadora), culturais ( valorização da maternidade) e emocionais ( reestruturação afetiva) e todos esses fatores estão intimamente ligados um com o outro. Conhecendo essa dinâmica fica um pouco mais fácil compreender a tempestade emocional pela qual passa a mulher nessa fase da vida.
3. Qual a prevalência do Blues puerperal?
A prevalência no mundo varia muito, os estudos usam diferentes metodologias para avaliar os sintomas, o que dificulta muito a comparação. Mas a maioria mostra uma prevalência de 50 a 80%. No Brasil um estudo de 2008 encontrou uma prevalência de 32.7%.
4. O que causa o Blues? Qual a fisiopatologia?
Muito se tem estudado e muitas teorias têm sido apresentadas para tentar explicar as mudanças psicoemocionais que compõem o blues puerperal. Abaixo apresentamos as mais citadas.
- As variações hormonais que ocorrem no pós-parto e no início da produção de leite levam a um estado de desequilíbrio neuroendócrino. Com a saída da placenta, os hormônios placentários progesterona e estradiol caem abruptamente e a cadeia de inibição da função hipofisária é interrompida levando a um aumento na secreção de ocitocina e prolactina que atingem níveis elevados 3 a 4 dias após o parto desencadeando a chamada apojadura. O pico dos sintomas surge com a composição dessas mudanças hormonais.
- Para exemplificar esse impacto hormonal nos sintomas psicoafetivos, vale a pena citar uma espécie de síndrome de abstinência com sintomas típicos do Blues que acontece quando a mulher passa por uma rápida queda nos níveis de tetrahidroprogesterona (THP) e tetrahidrodesoxicorticosterona combinada com uma redução da densidade dos receptores GABA-A.
- O papel da serotonina (5-HT), através do estudo do metabolismo do triptofano, um precursor da síntese de serotonina, também tem sido amplamente analisado. Um aumento na disponibilidade cerebral de triptofano fisiológico no pós-parto parece ser um fator protetor e a sua menor concentração foi relacionada a uma maior intensidade do Blues.
- Níveis circulantes mais baixos de noradrenalina e adrenalina entre o segundo e o quinto dia foram encontrados em mulheres com sintomas de Blues.
- Durante a gestação e trabalho de parto os níveis plasmáticos das β-endorfinas estão muito elevados e sua rápida queda no pós-parto podem ter um papel no aparecimento do blues.
- A baixa dos hormônios Tireoidianos, triiodotironina sérica (T3) e a tetraiodotironina (T4) foram relacionados blues na primeira semana pós-parto.
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5. Quais os fatores de risco para o Blues puerperal?
Os estudos são muito variados e mostram diferentes fatores de risco dependendo da população estudada. Os mais frequentemente citados são:
- História de alterações de humor relacionadas ao ciclo menstrual,
- Histórico pessoal de depressão ou distimia,
- História familiar de transtornos de humor,
- Dificuldade financeira,
- Problemas no relacionamento,
- Gravidez não planejada,
- Dificuldade para dormir no final da gestação e no pós-parto,
- Estresse causado pela dor do parto. Parto cirúrgico,
- Uso de Metildopa (usada para controlar hipertensão na gestação), uso de ocitocina,
- Bebê com baixo peso ao nascer,
- Percepção pessoal de cuidados maternos insuficientes na infância,
- Pouco apoio familiar durante a gravidez,
6. Quais os sintomas do Blues puerperal?
Os sintomas são muito parecidos com o de depressão pós-parto, o que muda geralmente é a intensidade com que aparecem e apesar da situação a mulher mantém o prazer em cuidar do bebê. Se os sintomas se mantiverem após 2 semanas de vida ou surgir dúvida razoável que possa ser depressão, a mulher deve ser encaminhada para o psiquiatra. Observam com mais frequência:
- Apatia, tristeza a maior parte do dia, quase todos os dias,
- Choro fácil,
- Perda temporária do interesse em atividades que antes gostava,
- Falta de energia e sensação de lentificação,
- Insônia ou sonolência,
- Dificuldade de concentração,
- Ansiedade,
- Perda do apetite
7. Como é feito o diagnóstico do Blues e como fazer o diagnóstico diferencial com depressão pós-parto?
O possível diagnóstico é feito baseado no período de surgimento dos sintomas, no tipo e no tempo de duração dos sintomas. A depressão pós-parto deve sempre ser considerada quando se está diante de um quadro de blues mais exacerbado. No entanto, se for perceptível que a mãe não mostra um humor depressivo na maior parte do tempo e não mostra prazer em estar e cuidar do bebê, a possibilidade de ser depressão é muito grande. Algumas vezes a resolução espontânea do quadro em 2 a 3 semanas fecha o diagnóstico de blues.
8. Qual a importância da amamentação?
Já se conhece bem os efeitos benéficos positivos da amamentação na prevenção e resolução mais rápida da depressão pós-parto. No Blues, tudo indica que os hormônios têm um papel no surgimento dos sintomas, já que surgem na mesma época que a apojadura. Apesar dos estudos não pesquisarem diretamente essa correlação, a mudança hormonal que ocorre nesse período sugere uma relação.
A amamentação pode melhorar a qualidade da relação mãe-bebê, estimulando um apego seguro no início da vida e fornecendo uma base para reduzir o nível de estresse materno por via hormonal (eixo hipotálamo-hipófise-adrenal).
Os estudos mostram ainda que as mães que se conectaram com a amamentação e se preparam para amamentar na gestação, apresentaram menor incidência de Blues, talvez por estarem mais autoconfiantes em relação a alimentação do bebê. Os programas que deram suporte para famílias na gestação e pós-parto mostraram também uma relação benéfica entre a amamentação e melhores condições emocionais nas mães.
9. Pode-se se prevenir o Blues Puerperal?
Muitos aspectos do Blues estão relacionados a uma mudança neuroendócrina. No entanto aspectos culturais e experiências positivas podem ter um papel importante na amenização do quadro.
O suporte do pai em relação a amamentação foi um fator protetor. Curiosamente, Akbarzadeh et al. investigaram o papel do treinamento em amamentação com base no modelo de crenças, atitudes, normas subjetivas e fatores facilitadores na intensidade do blues pós-parto, mostrando um efeito positivo no conhecimento e atitude materna em relação à amamentação e, consequentemente, uma menor intensidade de MB. Outro relato interessante de Takahashi é sobre um ritual japonês, “O ritual satogaeri bunben que consiste no acolhimento da puérpera e recém-nascido pelos seus familiares por um mês após o parto, antes de irem de fato para casa. Esse acolhimento poderia indiretamente prevenir os sintomas de tristeza materna logo após o nascimento e explicar a menor incidência do blues nas mães que passaram por esse ritual.”
A Prática de ir para a casa da mãe no período chamado de resguardo ainda é comum em muitos lugares do Brasil, a recém-mãe permanece por 4/6 semanas na casa de sua própria mãe ou de familiares próximos, recebe cuidados, é alimentada com alimentos próprios para essa fase e é resguardada do mundo externo. No entanto, não existem ainda estudos pesquisando essa relação. Nas populações urbanas, principalmente de classe média, essa prática se perdeu por motivos variados. Pela dinâmica da vida moderna, nem sempre as avós conseguem receber a nova mãe, a recusa dos pais em aceitar as interferências dos avós nas decisões sobre o bebê, e o desejo de vivenciar a maternidade e paternidade de uma maneira mais reservada são também motivos encontrados. São motivos legítimos, mas também provocam perdas para a nova família, como a possibilidade de transmissão dos cuidados geracionais tradicionalmente realizados pelos avós, e a presença e ajuda prática de mais mãos para cuidar da mãe e do bebê.
10. Papel do profissional de saúde:
Muitas famílias e mães se assustam muito com os sintomas do Blues. O mais importante nessa situação é ouvir a família, tranquilizá-los em relação ao surgimento dos sintomas e acompanhá-los bem de perto. A amamentação é muito importante para a mulher nessa fase e qualquer dificuldade pode desencadear sentimentos de incompetência e fracasso e gerar reações psicoemocionais, então ajudar na resolução das dificuldades iniciais pode ser fundamental para aumentar a autoconfiança da mãe na sua capacidade de cuidar.
Na maternidade, o profissional pode acolher a família no trabalho de parto, parto e pós parto e ser um facilitador para a mãe realizar o contato pele a pele com o bebê logo após o nascimento, retardar o corte do cordão umbilical e facilitar o início da amamentação na sala de parto. Essas práticas fortalecem a família e ajudam a regular um pouco a apojadura, já que se observa que as mães dos bebês que mamam desde a sala de parto apresentam uma apojadura menos intensa, mostrando uma regulação hormonal mais fisiológica.
O profissional pode conhecer os fatores de risco que a mulher apresenta e ajudar a família a se organizar dentro do que for possível para ainda durante a gestação reduzir os riscos.
Diante de um quadro já estabelecido o profissional deve estar atento para que os sintomas de depressão pós parto sejam bem identificados e excluídos. Tranquilizar a mãe e a família, reforçar o apoio sociofamiliar e a importância da amamentação como fator regulador hormonal e deve manter um acompanhamento frequente até a resolução da situação.
11. Conclusão:
O Blues puerperal também conhecido como tristeza materna, blues da maternidade, baby blues é uma condição encontrada em muitas mães no puerpério, parece ter relação com as mudanças hormonais e pode ser exacerbada pela predisposição individual, fatores culturais, sociais e psicoemocionais. Os sintomas são temporários e o profissional de saúde deve acompanhar a mãe para que quadros de depressão pós-parto que podem ser, no início, camuflados com os sintomas do blues não passem despercebidos.
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Criado por:
Honorina de Almeida - Dr Nina
Pediatra, Doutora em Desenvolvimento Infantil
Especialista em Aleitamento Materno/IBCLC
Sócia Fundadora da Casa Curumim e Fundadora do Instituto Ery