O período pós-parto exige uma adaptação para os componentes da nova família que se forma, e essa é uma fase crítica para o desenvolvimento de transtornos mentais. No entanto, essas condições nem sempre são reconhecidas causando um grande sofrimento para mães, pais e bebês.  Como a prevalência de depressão pós-parto nas mães chega a mais de 25% das mães, os olhares se voltam muito para elas, mas os pais que também põem ser afetados, geralmente não são considerados e ficam em segundo plano. 

Como é a Depressão pós-parto Paterna no Mundo?

 Os estudos internacionais mostram que no período do pós-parto aproximadamente 8 a 10% dos pais apresentam sintomas de transtorno mental como emoções embotadas, irritabilidade, insegurança, ansiedade e depressão que podem aparecer mesmo após vários meses após o nascimento do bebê. Nos companheiros de mulheres com depressão a incidência pode chegar a 40%.

E como é no Brasil?

Existem poucos estudos robustos que abordam o tema no Brasil, mas um grupo de pesquisa em psiquiatria da Universidade Federal do RGS publicou em 2012 dados de um estudo longitudinal que observou que 4 meses após o nascimento do bebê 25,4% dos pais apresentavam algum sintoma de transtorno mental. Esse dado acendeu uma luz vermelha nos profissionais de saúde e chamou a atenção para o sub diagnóstico também na depressão pós-parto nos pais.

  1. O que é a depressão pós-parto paterna?
A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, (DSM-5) define como depressão periparto, um episódio depressivo maior durante a gravidez ou dentro de quatro semanas após o parto. No entanto, os sintomas no homem costumam surgir mais tardiamente, entre 3 e 6 meses e as vezes podem aparecer até 1 ano após o parto.
  1. Quais são os fatores de risco ?
Quando falamos de depressão pós-parto paterna existem vários fatores que devem ser considerados :
  1. Alterações hormonais: Cada vez mais encontra-se evidência que a gestação, parto e nascimento do bebê também promovem mudanças biológicas nos homens que passam por esse processo. Não se encontram muitos estudos que abordam o tema, mas um artigo de revisão de Kim e Swain publicado em 2007, chama a atenção para as várias mudanças hormonais que ocorrem no homem durante a gestação e no puerpério e que poderiam servir como fatores de risco para os quadros de depressão. A hipótese é que essas mudanças hormonais teriam a função de facilitar a formação do vínculo afetivo entre pai e bebê. A diminuição dos níveis de testosterona presente na maioria dos homens nessa fase está relacionada a índices mais baixos de agressão e ao aumento das respostas simpáticas a um bebê chorando e esses efeitos ajudariam no fortalecimento do apego do pai à criança.  O estrogênio é outro hormônio que está aumentado no homem nesse período, e os autores também descreveram estudos que associam esse fato a comportamentos parentais mais engajados. O também aumento dos hormônios, prolactina, cortisol e vasopressina, poderia estar associado a uma parentalidade paterna mais engajada e a um apego pai-bebê mais forte e os níveis mais baixos desses hormônios poderiam causar dificuldades na formação do vínculo pai-bebê. Essas mudanças hormonais, no entanto, também podem exacerbar sintomas de depressão pré-existentes ou mesmo predispor o pai a ter DPP.
  2. Mulher com DPP: Companheiros de mulheres com DPP tem mais risco de apresentar sinais de depressão.
  3. Isolamento social: muitos homens vivenciam uma experiência de isolamento no período puerperal e isso pode exacerbar sentimentos de incompetência e de não utilidade. As mulheres ficam muito conectadas com o bebê e nem sempre percebem que o pai está sendo excluído.
  4. História de quadros psiquiátricos anteriores ou na família.
  5. Privação do sono
  6. Situações referentes ao bebê: cólicas exacerbadas/ bebê doentes/ vivência de quase morte do bebê/ situações relacionadas a mulher/ falta de licença paternidade/ gestação indesejada/ problemas conjugais
  7. Necessidade de trabalhar/ desemprego
  8. Problemas financeiros
  9. Incertezas frentes ao futuro
  1. Sinais e sintomas
Critérios para episódio de depressão maior pelo DSM-5 Para o diagnóstico de um episódio de depressão a pessoa deve apresentar pelo menos 5 sintomas no período de 2 semanas e pelo menos um dos sintomas deve ser 1) humor deprimido ou 2) perda de interesse ou prazer por situações ou atividades ates prazerosas. Os sintomas devem causar sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento da pessoa, além disso o episódio não deve ser consequência de efeitos fisiológicos diretos de uma substância ingerida ou de outra condição médica.
  1. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo (por exemplo, sente-se triste, vazio, sem esperança) ou observações feitas por outros (por exemplo, parece choroso).
  2. Interesse ou prazer acentuadamente diminuídos em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (conforme indicado por relato subjetivo ou observação)
  3. Perda de peso significativa quando não está fazendo dieta ou ganho de peso (por exemplo, uma alteração de mais de cinco por cento do peso corporal em um mês) ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias.
  4. Insônia ou hipersonia quase todos os dias.
  5. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observável por outras pessoas, não apenas sentimentos subjetivos de inquietação ou lentidão)
  6. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias
  7. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que pode ser delirante) quase todos os dias (não apenas autocensura ou culpa por estar doente.
  8. Capacidade diminuída de pensar ou se concentrar, ou indecisão, quase todos os dias (seja por seu relato subjetivo ou observado por outros).
  9. Pensamentos recorrentes de morte (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, ou uma tentativa de suicídio ou um plano específico para cometer suicídio
Os critérios para episódio de depressão maior são importantes para uma avaliação, no entanto pais com depressão pós-parto tendem a apresentar outros sintomas como: Autocrítica excessiva, Agressividade,  Inquietação, e Irritabilidade. O humor depressivo é menos comum.
  1. Diagnóstico:
Em relação a depressão pós-parto ou periparto paterna, não existem ainda critérios bem definidos pois durante muito tempo esse quadro foi ignorado pela condição mais frequente na mulher. Os fatores de risco devem ser considerados e uma abordagem mais ecossistêmica deveria ser realizada para que os sintomas paternos pudessem ser reconhecidos pelo profissional que está assistindo a família. Um estudo realizado na Universidade de Cork na República da Irlanda com 336 pais, utilizou algumas escalas, a Perceived Stress Scale, the State-Trait Anxiety Inventory, and the Edinburgh Postnatal Depression Scale para avaliar a prevalência e os fatores associados para ansiedade, sintomas depressivos e estresse paternal no período pós natal. Os resultados mostraram uma correlação entre os resultados dos testes e a condição mental dos pais apresentando assim algumas possibilidades para a realização do diagnóstico. Um outro estudo realizado na China e publicado em 2022, também encontrou correlação positiva entre os resultados da escala de Edimburgo para depressão pós parto nos pais que foram testados,
  1. Diagnóstico diferencial
Na suspeita de um quadro depressivos é importante que o homem possa ser avaliado por um especialista. Condições não psiquiátricas precisam ser descartadas, hipotireoidismo, Insônia, abuso de drogas lícitas ou ilícitas (álcool, cocaína) , problemas sociais e familiares,  estresse, situações de dívidas e desemprego, etc…
  1. Tratamento
Os quadros leves respondem bem ao tratamento psicoterápico individual. Em situações moderadas e graves o uso de medicamentos como ansiolíticos e antidepressivos geralmente são necessários. Grupos de país se mostraram muito efetivos tanto na identificação de possíveis quadros depressivos como no tratamento da depressão.
  1. Impacto do não tratamento
Depressão não tratada pode impactar muito a vida individual e social da pessoa acometida gerando repercussão a curo e a longo prazo.
  1. Depressão não tratada no pai: Um quadro de depressão pós-parto não tratado pode causar grande impacto na estrutura familiar levando a separações, abuso de drogas e álcool, distúrbios alimentares, desemprego, menos comportamento parental positivo e maior número de comportamentos hostis com os filhos incluindo violência física.
  2. Impacto da depressão paterna não tratada nos filhos: Cada vez encontram-se mais evidencias que a DPPP pode ter um impacto negativo no desenvolvimento dos filhos. Vários estudos avaliaram crianças filhos de pai com DPPP na idade entre 3 e 5 anos e encontraram risco aumentado para problemas comportamentais, para problemas psiquiátricos, hiperatividade em meninos, desajustes emocionais em meninas e dificuldades de aprendizagem em ambos os sexos.
 
  1. Conclusão
A depressão periparto ou depressão pós-parto é uma condição psiquiátrica pode atingir tanto as mulheres como os homens.  Mas mesmo a depressão pós-parto materna que é mais conhecida, o desconhecimento e a falta de preparo dos profissionais de saúde levam a uma falta de diagnóstico de cerca de 50% dos casos. Na depressão pós-parto paterna a situação ainda se mostra muito mais difícil com um número grande mas desconhecido de pais que sofrem  sem poderem se tratar levando a um sofrimento imenso das famílias com repercussão negativa na prole. É imperioso e necessário que no currículo das universidades e cursos na área da saúde o tema seja abordado e discutido.
  1. Bibliografia
  1. Chavis AT. Paternal Perinatal Depression in Modern-Day Fatherhood. Pediatr Rev. 2022 Oct 1;43(10):539-548. doi: 10.1542/pir.2021-005488. PMID: 36180540.
  2. FALCETO, O. G.; FERNANDES, C. L.; KERBER, S. R. Alerta sobre a depressão pós-parto
paterna. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia [online]. 2012, v. 34, n. 7, pp. 293-295. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0100-72032012000700001>.
  1. Jen WH, Hung TH, Chen CY, Tsai YF. Validity and Reliability of the Chinese Version of the Edinburgh Postnatal Depression Scale for Fathers of Newborns. Am J Mens Health. 2022 Nov-Dec;16(6):15579883221138191. doi: 10.1177/15579883221138191. PMID: 36411977; PMCID: PMC9703513.
  2. Kim P, Swain JE. Sad dads: paternal postpartum depression. Psychiatry (Edgmont). 2007 Feb;4(2):35-47. PMID: 20805898; PMCID: PMC2922346
  3. Philpott LF, Leahy-Warren P, FitzGerald S, Savage E. Prevalence and associated factors of paternal stress, anxiety, and depression symptoms in the early postnatal period. Glob Ment Health (Camb). 2022 Jul 13;9:306-321. doi: 10.1017/gmh.2022.33. PMID: 36561920; PMCID: PMC9768414.
  4. Editorial • Rev. Bras. Ginecol. Obstet. 34 (7) • Jul 2012 • Alerta sobre a depressão pós-parto paterna/ Olga Garcia FalcetoCarmen Luisa FernandesSuzi Roseli Kerber

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Criado por:

Honorina de Almeida - Dr Nina

Pediatra, Doutora em Desenvolvimento Infantil
Especialista em Aleitamento Materno/IBCLC
Sócia Fundadora da Casa Curumim e Fundadora do Instituto Ery